Reforma demorada

Desde o início do mês de março que tenho remexido no apto e na saudade, tenho aberto caixas que estavam fechadas há anos e tenho reencontrado objetos, livros, toalhas, rendas... Já perdidos na memória e o melhor de tudo é que não tenho sofrido.
                         Na verdade tenho sentido um prazer imenso de entrar em contato com pequenas coisas que me fazem retornar pra uma vida, que já não era mais minha, tanto dela eu me distanciei.
                         Já tinha esquecido que um dia eu pisei em estrelas, na verdade eu tenho um punhado delas na minha sala, e estas estrelas, tenham paciência, mas são todas minhas...kkkk... Por isso mandei limpar o piso e devolvi a luz, não só pras minhas estrelas, mas pro meu chão, do qual tanto eu preciso. E pra não me perder mais do meu céu, deixei um dos meus anjinhos dormindo entre as minhas estrelas
     Precisei tomar algumas decisões e inclusive tive que colocar a mão na massa, improvisando várias soluções.
A cozinha está em andamento, assim como o restante da casa, mas já tem algumas coisas que já fiz, como as prateleiras, que ainda estão entulhadas esperando o restante das prateleiras que já estão encomendadas,pois quero tudo a vista.
O armário (que fica atrás da mesa), assim como as cestas que ficam embaixo da mesa da cozinha, também já estão prontas, ainda falta muita coisa e tudo está indo devagar por pura falta de verba...kkkk... A vontade de terminar é enorme, mas, porém, todavia, contudo... Sou obrigada a controlar a ansiedade e estou indo devagar com o andor....kkkk...Uma hora eu chego lá....kkk...
Tenho arranjado tempo pra fazer algumas artes manuais, pra pintar algumas coisas e fazer algumas composições, uma delas eu já dei pra uma prima querida, a  outra é minha.

Minha casa está em movimento, e isso é que é importante,  tem muito trabalho pela frente, e tudo que está faltando, já está pronto na minha cabeça, o certo é que todo dia vou lá e faço alguma coisinha, nem que seja uma florzinha pra enfeitar aqui e acolá e assim vou cuidando com muito carinho dessa reconstrução.

Resolvi que precisava reformar um conjunto de estofados antigos, que eram da minha mãe, pois eu precisava dar uma cara de lar, pro meu lar, e me perdi entre tantas cores e tons, pensei e pensei e vi que precisava de uma cor que sustentasse a minha vontade de voltar pra casa, e encontrei entre montanhas de tecidos, justamente o azul de que tanto eu precisava pra embalar novos sonhos
                         Olhando melhor notei que precisava de flores e encomendei um punhado delas, de algum tear desconhecido, e salpiquei, desatenta,  pelo chão e pelas cadeiras...Nada como ficar entre flores pra sonhar e ser feliz.
                         E como nem tudo é só flores, me lembrei de colocar um aviso pessoal bem a vista: comprei uma gaiola branca, e nela coloquei um pássaro de pano e flores vermelhas, e não esqueci de escrever em sua porta, aberta, a palavra "LIBERDADE", pra lembrar sempre que uma vez que os grilhões são quebrados, o céu é o limite...


                         Busquei um pouco da noite e joguei o seu negror num móvel antigo, pra lembrar não só da noite, mas da solidão e da morte...Deste modo fica impossível esquecer da humildade necessária pra viver a vida...


E por cima pendurei muitos corações na janela, e os deixo assim ao sabor dos ventos...Tenho muitos corações,  e na verdade, eles se embaralham, a toa...Mas com paciência, todo dia que isso acontece, eu me quedo em saudades, a desembaraçá-los...
                         Ao remexer na copa, um local central da casa senti falta de cor e busquei o azul, do mar, pra me alegrar e pendurei na porta, que dá pra área de serviço, e fiz algumas bandeirolas em vários tons de azul pra enfeitá-la, afinal segundo o Rodrigo eu estou na “Fase AZUL” da vida. E não esqueci das flores, agora elas são cor de rosas, num pequeno vaso que eu pintei, tudo debaixo do olhar de N. Sra. de Fátima.
Tomei posse de alguns pincéis e tenho branqueado ainda mais a minha "mesinha de feira", que enfeitei com a sobra de algumas pastilhas que comprei numa queima de estoque, e a velha estante ficou toda branca que é pra guardar algumas louças coloridas, é que eu ando sedenta de cor...



Como o prédio é antigo, data do ano de 1950, é fácil imaginar que pra colocá-lo em ordem vai exigir muito trabalho e dinheiro...rsrsrs...
Mas eu imagino que aos poucos, tipo devagar e sempre... Eu vou conseguir deixá-lo do jeito que eu quero, com a minha cara...

Tenho estado de mangas arregaçadas desde o início do ano e tenho literalmente pintado e bordado lá dentro dele, no final eu mostro aqui como ele ficou....

Se bem que: casa minha, nunca fica pronta...kkkkk... 

Sérgia Cal

Dobradinha

No dia 09/08/2009 (dia dos pais, naquele ano) eu fiz este escrito e remeti, por email, para alguns dos meus irmãos, achei interessante que um deles me telefonou e me perguntou se eu realmente havia feito a tal dobradinha. Eu disse que sim e ele me disse...
Me espera, estou indo almoçar com vocês...

                                                                   Célio e o Rodrigo no Mosqueiro 


"Há dias em que sinto saudades do Célio.Esta saudade vem me machucando terrivelmente. 
Gostaria tanto de poder estar com ele!
Já se vão quase vinte anos de saudades...
Acho a morte extremamente sem graça, é aquele impeditivo geral e irrestrito, que nos deixa sem jeito e sem modos com a vida.
Há coisa mais simples que querer ver o pai?...É que nem ver mãe!...E não existe “coisa” mais disponível que mãe? Claro que não existe...
A saudade, a saudade já foi pior...Já doeu, fez-me chorar, fez-me na época, inclusive, brigar com Deus.
É, ele mesmo!
Eu também já briguei com o Todo Poderoso.
E confesso que nem senti remorso, pois foi Ele que me fez assim: briguenta, questionadora, inquisidora e extremamente humana...
Afinal, era justamente naquela fase, que a minha compreensão o alcançava melhor e tê-lo comigo era muito prazeroso...
Já conversávamos como adultos que éramos e eu já podia lhe fazer alguns agrados, como cozinhar algo de que ele tanto gostava.
Conversávamos tanto sobre tudo e sempre ele me surpreendia com as suas observações atuais, visionárias, revolucionárias...
Meu pai tinha alma de passarinho, olhos que acariciavam, mãos pequenas e uma alma simples e generosa.
Está certo que ele era cardíaco, seu coração já estava muito machucado e há 76 anos, batia sem parar. Mas quem disse que filho acredita que pai morre?
E por que “Eu” deveria acreditar?
E ainda me conformar?...
Por isso, briguei com Ele! Muitos foram os avisos que Ele me mandou.
Mas todas as vezes que o Célio ia para o hospital, ele voltava pra nós, pra nossa casa.
Lembro-me que já no fim, eu cheguei perto dele, peguei a sua mão e disse:
-Célio, vamos rezar um Pai Nosso...
Ele apertou a minha mão nas dele, olhou nos meus olhos e disse:
-Sérginha, tu precisas, minha filha, acreditar que eu vou morrer!...
Eu chorei!...
O Célio partiu suave. Calmamente adentrou na eternidade!...
E eu ainda estou aqui, brigando com esta saudade, e passar mais um dia dos pais sem ele, continua sendo doloroso...
Mas a convivência, por muitos anos, com a saudade e a ausência, já me ensinou o que fazer pra acalmar o meu coração, busco as lembranças boas, do pai maravilhoso que Deus me deu.
-É, já fiz as pazes com Ele... A Nathália orquestrou a nossa reconciliação...
E desde ontem, estou eu aqui nesta cozinha, buscando-o.
E entre um tempero e outro eu sorrio e choro, ante a sua lembrança ainda vívida na minha memória.
E enquanto relembro as nossas vidas, remexendo na saudade, vou preparando a dobradinha do jeito que ele tanto gostava, bem macia com pedaços pequenos de batata e algumas azeitonas inteiras, tudo entremeado com pedacinhos de um bom chouriço do Paraná, mergulhados num caldo grosso de mocotó.
Tudo feito com muito carinho. Coisas de amor antigo e saudade maior...
Desculpem amigos, mas não me convidem pra almoçar, hoje!
Vou almoçar com o Célio!...
E juntos, vamos brindar a vida que é eterna e constante, com uma boa taça de vinho."

Sérgia Cal