Natal

                                          Prece de Natal.

                                                                      Antonio Tavernard



Olhe aqui, Jesus Menino:
na folha do meu destino,
escreva a palavra “paz!”
Venho de muito longe, de um passado
vivido em turbilhão...Estou cansado...
Não quero sofrer mais!

Não quero – não! Não posso! Minha vida
é como taça de cristal partida
em que beberam deuses e animais.

Fiz mal e bem com indiferença, à toa,
fatalismo que vinga e que perdoa.
muito do homem quando é feliz.

Depois, a dor... a dor que transfigura...
E o Senhor sabe – história de amargura –
como cumpri o que o destino quis.
Mas, agora, Jesus, Jesus Criança,
é tempo de chegar...A gente cansa,
para sempre, de vez, num certo dia
em que a penumbra da descrença fria
toma conta de nós. Ah! Nesse dia,
Jesus querido, meu Jesus Criança,
que morta linda a última esperança!...

Portanto, Jesus Menino,
na folha do meu destino,
escreva a palavra “paz!”
Para que eu durma, então, serenamente
com um sono de arcanjo adolescente
e não sinta, e não sonhe, e não desperte mais.

Uma carta a uma Amiga

Minha amiga,
Nestes últimos dias tenho acompanhado a tua angústia, e tenho sentido o meu peito apertado por não ter palavras boas para te dar, mas te incluí nas minhas orações e a tua família também.
Gostaria muito de ter palavras boas pra te falar, mas não tenho, e sei que o teu coração está pequenino e sobressaltado dentro do peito.
Filhos!...
Somos tão vulneráveis com eles...
Lembro que quando o autismo deu a grande rasteira na vida da minha filha, eu fiquei paralisada, travei mesmo. A única coisa que eu sabia fazer era chorar, e chorei muito, por tempo demais.
Nesta época, a minha mãe,  coitada, queria tanto me consolar, eu era a filha que sangrava viva, e ela assistia de palanque. E eu não via que ela sofria, até porque eu estava sofrendo muito, para ver qualquer coisa além do meu sofrimento.
E assim eu sofria pela minha filha e ela sofria pela filha dela. Já nem falo da neta...
Numa madrugada eu acordei com o rosto lavado de lágrimas, pois até dormindo eu chorava e ela me encontrou chorando na sacada, e me disse baixinho:
- Minha filha, tem tanta coisa pior!...
Não suportei mais afinal eu estava cansada de ser consolada, todo dia, por algo inconsolável e eu disse pra ela:
- Mãe, a Nathália é o meu pior! Deixa-me chorar!...
- Não diminui o meu sofrimento saber que alguém sofre mais ou menos do que eu. Este sofrimento,  é meu! E eu sinto ele enorme, maior que eu, maior que tudo, e eu não estou  aguentando  mais.
Abraçamos-nos e choramos juntas.
Tem momentos na vida em que as palavras sobram, pois esvaziam de significado.
E é assim, querida, que eu me vejo diante de você: quase muda!...
Mas agora, passados todos estes anos, vejo que o tempo nos faz passar por verdadeiras alquimias cerebrais,  sem que percebamos.
Sabe, eu quase nem noto o autismo da Nathália, é claro que ela fez melhoras enormes, mas penso que o caminho que trilhei, é um caminho sem volta.
É assim que eu a vejo: Ela ali, pequenina e linda... Indo pra longe de mim. E eu olhando ela se afastar, lembro que era tão dolorida aquela despedida constante, eu ali vendo ela, ir-se...
Sabe quando estamos diante do salto e o coração salta primeiro que o corpo?
Foi assim, que eu fui atrás dela.
Ficamos autistas!...
Eu não sou autista pela genética, sou autista por amor, por amor à Nathália!
Eu transito, eu flutuo... E é assim que eu estou próximo dela sempre, e vivemos bem na nossa "disque" felicidade.
E hoje assim como eu visito o autismo, por amor, ela generosamente visita a normalidade.
Tanto que quando eu já não suporto, ela chega perto de mim e diz: Desculpe-me Sérgia, eu preciso entender estas coisas, né!
Do mesmo modo quando eu não entendo alguma coisa que ela quer que eu entenda, ela me diz: Você precisa saber dos deuses (por ex.) eu preciso da sua ajuda e você tem que me ajudar.
É verdade que ela está ótima, mas eu não sei o que é conversar com a minha filha sobre namoradinhos, festas, moda, vestibular, o que quer ser no futuro...
São assuntos dos quais eu fui apartada.
E geralmente eu não sofro por nada disso, graças àquela alquimia cerebral da qual falei e que nos adapta, com o passar do tempo, à vida que escolhemos.
Neste fim de semana passado eu saí com a minha prima e mais duas amigas, nós vivíamos juntas na época de mocinhas e elas tem filhas mais velhas que a minha e a conversa acabou chegando nas filhas e elas falaram do modo de ser e vestir das filhas, reclamaram, elogiaram... E eu não tinha muito que dizer pra elas, meu coração ficou pequenino. Mas como não falar do “amor da minha vida” tendo tanto para ser dito. Respirei fundo e disse pra elas que a Nathália adorava moda gótica e oriental, principalmente a moda jovem japonesa mais ligada a representação dos animes, os cosplay. E o legal é que elas ouviram, fizeram perguntas e me deram sugestões de costureiras e ideias... E eu vi que para elas é normal eu ter uma filha autista e terminei a noite feliz...
Tudo é normal na vida. Por mais duro que isso seja, e no fim acaba nem sendo tão duro quanto pensamos. A nossa capacidade de adaptação é enorme. A grande urgência, que eu vejo, é compartimentar dores e desilusões.
É terrível ter que aceitar o pior nas nossas vidas, assim como é devastador computar perdas. Mas por mais doloroso que seja por vezes é inevitável, e por muito que queiramos parar, puxar o freio de mão ou saltar do ônibus, infelizmente não conseguimos.
Ninguém chega à aceitação por querer aceitar simplesmente.
Chegamos à aceitação, exaustos de remar contra a maré. Extremamente cansados de desfiar sonhos, esperanças e de colecionar desilusões. Na verdade aceitamos, porque não tem outro jeito!
Rendemos-nos ao óbvio...
Levantamos a bandeira branca, dos vencidos, porque ansiamos por PAZ!...
Ah! Como diz um amigo “Não compliquemos mais, o que já é tão complicado".
Pense e procure olhar o seu filho, ele está com você.
Sente ao lado dele, feche os olhos, e sinta a maciez da sua pele. Respire fundo e sinta o perfume que ele exala e procure guardar na memória, este cheiro, que é só dele e pode ser seu também, é só querer.
Sente diante dele e com delicadeza procure com os seus, os olhos dele, e mergulhe fundo. Você vai enxergar um universo, nunca visto e este universo é todo seu querida, decifre-o.
Há tantas possibilidades. Se Entregue. Estes olhos podem te guiar na tua busca e imagine você o quanto de maravilhas ali reside. E cabe só a você, querer ir lá. Descobrir, se encantar.
Fale muito com ele, mesmo que pareça que ele não está entendendo, mas não se esqueça de dividir silêncios. Falamos tanto quando não dizemos nada.
Pare e observe, com agudo interesse, o ritmo da sua respiração e a cadência das batidas do seu coração, observe, tente respirar junto com ele, e tente mais, tente muito, fazer o teu coração bater na cadência do dele.
Quando ele adormecer deite do lado e ouça a sinfonia de sons, que dele exala, só pra você. Procure Ouvir. Ouça com o coração. Há música, nos nossos filhos.
E celebre, porque neles há VIDA.
Minha linda, sempre há o que ensinar o que dividir, por muito pouco, que pareça que se tem. Quem tem vida, e tem amor já tem demais, pra dar e dividir.
Amiga, eu estou aqui! E tenho rezado muito pra que a tua caminhada seja menos dolorosa e para que a Paz fique contigo por mais tempo.
Sérgia Cal.
Preciso tanto da paciência de todos que vierem aqui.
Na verdade eu não sei como mexer com nada disso, entendam: é uma ferramenta nova pra mim, mas estou tentando me comunicar com vocês. Acreditem!!!...
Não quero uma linguagem séria, sou uma pessoa alegre e quero brincar um pouco, com assuntos variados.
Gostaria muito de colocar música, flores e poesias neste espaço e poder dizer pra vocês: entrem, fiquem a vontade...É uma alegria enorme receber vocês!
Penso que com o tempo vou aprender a deixar este cantinho com a minha cara e pra isso conto com a ajuda de todos, quero muito: dicas e mais dicas de como fazer tudo isso.
Tenho vários amigos com blogger mas ainda não sei como colocá-los por aqui, de qualquer forma fiquem aguardando novidades afinal eu estou em construção...kkkk...bjussss...
Sérgia Cal

Confesso...

Confesso... Que a princípio foi uma catarse, eram tantos sentimentos contraditórios.
Penso hoje que receber um diagnóstico de autismo, como eu recebi, sem rodeios, no seco, na verdade foi como sofrer um "estupro emocional", naquele momento eu só tive noção da dimensão da minha solidão.
O tempo parou e eu não queria ir para o futuro, que a médica havia me descrito.
Martelava na minha cabeça... "Daqui pra frente, será sempre pra pior...”. O presente já estava tão ruim, como ir para aquele futuro?
Fiquei surda, hoje sei que naquele momento eu me neguei e a morte seria tão bem vinda, mas é claro que ela não veio e eu tive que voltar pra casa.
Eu estava tão descompensada que me esqueci do carro e voltei a pé, trazendo a filha, que eu havia projetado e desejado, morta! E ainda atrelada a mim. E esta outra filha vinha segurando nas minhas mãos...
A filha que eu sonhei...(Todas nós sonhamos, por toda a gravidez)... Eu tive que matá-la, dentro de mim, muitas e muitas vezes.
Ainda hoje eu a mato, em alguns momentos. É difícil!
Mentira!...É horrível matar a própria filha.
Mas eu precisava matar o sonho, a projeção!...Só assim pude ficar livre para amar a filha que Deus me deu.
Tive depressão, perdi a memória, deixei de saber escrever. Fui ao fundo do poço, eu precisava ir, penso que tudo na vida deve ser vivenciado até o seu limite e naquele momento eu precisava saber qual era o meu limite de sofrer, precisava aprender a lidar com todas aquelas "emoções", que eram novas pra mim e eu não sabia o que fazer com elas.
Lembro que num final de tarde, eu estava chorando na sacada do meu quarto, quando a ouvi dizer, da sacada do quarto dela... ”Sérgia não chora! Olha, eu estou aqui, com você...”
Foi como uma bofetada no rosto!...
Eu estava com tanta pena de mim, com tanta pena dela, só enxergava o autismo, não via a filha que eu tinha na minha frente. Senti tanta vergonha da minha covardia. E compreendi que aquela filha merecia uma mãe melhor do que eu estava sendo.
E naquele momento, renascemos! Quando ela me falou e o nosso olhar se cruzou, renascemos juntas! Somos fruto de um olhar cruzado, nascemos no crepúsculo, justo no momento em que o sol se deitava no ocaso. Nunca quis, tanto, a filha que Deus me deu, como naquele instante. E a partir daí, passei a amá-la como ela é: metade minha, metade de Deus; metade terrena, metade celestial; metade real, metade fantasia...
Esta ambigüidade é minha, e esta experiência milagrosa de dar continuidade pra obra de Deus, em perfeita parceria com o Divino, com o Sagrado, se tornou pra mim uma verdadeira missão de vida. Sinto a distância o cheiro do preconceito e o repudio, com todas as minhas forças.
Eu preciso decodificar o mundo pra minha filha, e para isso, sinto necessidade de olhar pra obra de Deus, com olhos mansos e pacificadores, para poder mostrar a beleza e a poesia de viver a vida, pra ela. Preciso mostrar a bondade, existente no coração dos homens para que ela aceite viver e se sentir segura entre nós, que já nos distanciamos tanto da nossa metade divina, já há tanto tempo.Ah! Nem sabemos do quanto que somos fortes.
Hoje, agradeço por não ter morrido, diante de uma pequena dor. Agradeço mais, agradeço, por ter aprendido a renascer. Foi dolorido?...Foi sim, mas ao Filho do Homem foi destinado o nascer entre dores...
E isto me fez ver o quanto eu sou humana, como todos que circulam a nossa volta.
Mas eu tive a oportunidade, rara, de renascer das dores e encontrar o meu lado divino, e ser despertada pra servir a Deus e a Nathália quase Divina, que por vontade Dele, tem-me como mãe menor, pequena, mas que todo dia, com ela aprende a ser maior e melhor.


Sérgia Cal