A revelação...

Um dos primeiros textos que eu li depois de saber que a Nathália havia desenvolvido o autismo...Li no Livro do meu amigo Nilton Salvador.


A escolha Divina.

“Deus escolhe a mãe da criança deficiente.
A maior parte das mulheres hoje em dia tornam-se mães por acidente, outras por escolhas próprias, outras por pressão social e outras tantas por hábito.
Este ano muitas mulheres se tornarão mães de crianças deficientes.
- Você alguma vez já pensou como as mães dos deficientes são escolhidas?
- Eu já, uma vez visualizei Deus.
- Sim, Deus lá...
- Deus estava pairando sobre a Terra selecionando o seu instrumento de propagação com grande carinho e compassivamente.
Enquanto observava, Ele instruía seus anjos a tomarem nota em um grande livro:
- Para essa Mãe, um menino, anjo da guarda.
- Para essa Mãe, uma menina, anjo da guarda.
- Para aquela Mãe, gêmeos, anjo da guarda.
- Para essa outra Mãe, mande este, anjo da guarda, que está acostumado com a profanidade.
Finalmente, Ele passa um nome para o anjo, sorri e diz:
- Dê a ela uma criança deficiente.
O anjo, cheio de curiosidade, pergunta:- porque a ela, Senhor? Ela é tão alegre...
- Exatamente por isso. Como eu poderia dar uma criança deficiente para uma Mãe que não soubesse o valor de um sorriso?
- Seria cruel.
- Mas será que ela terá paciência?
- Eu não quero que ela tenha muita paciência, porque aí ela com certeza se afogará no mar da autopiedade e do desespero.
- Logo que o choque e o ressentimento passar, ela saberá como se conduzir.
- Eu a estava observando hoje.
- Ela tem aquele forte sentimento de independência.
- Ela terá que ensinar a criança a viver no seu mundo, e não vai ser fácil.
- E além do mais, Senhor, eu acho que ela nem acredita na sua existência.
Deus sorri...
- Não tem importância.
- Eu posso dar um jeito nisso.
- Ela é perfeita.
- Ela possui o egoísmo no ponto certo.
O anjo engasgou-se: egoísmo... E isso é por acaso uma virtude, Senhor?
Deus acenou um sim e acrescentou:
- Se ela não conseguir se separar da criança de vez em quando, ela não sobreviverá.
- Sim, essa é uma das mulheres que eu abençoarei com uma criança menos perfeita.
- Ela ainda não faz ideia, mas ela será também muito invejada.
- Sabe, ela nunca irá admitir uma palavra não dita, ela nunca irá considerar um passo adiante uma coisa comum.
- Quando sua criança disser mamãe pela primeira vez, ela pressentirá que está presenciando um milagre.
- Quando ela descrever uma árvore ou um por-do-sol para sue filho sem visão, ela verá como poucos já conseguiram ver a minha obra.
- Eu lhe permitirei ver claramente coisas como ignorância, crueldade, preconceito e a ajudarei a superar tudo.
- Ela nunca estará sozinha. Eu estarei ao seu lado em cada minuto da sua vida, porque ela estará trabalhando junto comigo.
- Bom, e quem o Senhor está pensando em mandar como anjo da guarda?
Deus sorriu...
- Dê a ela um “espelho, é o suficiente”.



Filhos especiais são sempre filhos de Mães especiais, como nós!
Beijos a todas as mães iguais a mim.
Sérgia Cal 
 

   

O ano de 2007 e a Nathália





                        Esta fotografia foi tirada pra uma reportagem sobre o autismo no Brasil, e em 11 de junho de 2007 ela estava disponível ao público na revista Época, foi tirada pelo fotógrafo João Ramid.
                       Lembro que naquela época eu estava as voltas com o meu filho mais velho, Rodrigo, hospitalizado.
                       Ele havia sofrido um acidente de carro e tinha feito fratura na base do crânio. Graças a Deus sobreviveu e não ficou com nenhuma sequela.
                       Penso que foi um ano de grandes vitórias, de milagres...
                       Esta reportagem me rendeu amigos no Brasil todo e até fora dele e são amizades que eu tenho muito carinho, pois divido com elas muitas das minhas angústias e alegrias que só nós, pais de autistas, entendemos e sentimos.
                       Naquela época a Nathália estava com 14 anos e fazia balé, além de desenhar compulsivamente, é claro...
                       Hoje ela está com 20 anos e continua desenhando...
                       O balé foi deixado de lado por muitos anos, pois ela engordou muito por causa de algumas complicações hormonais, uma disfunção genética nas supra renais andou tumultuando as nossas vidas, mas este ano ela retornou ao balé, afinal ela tinha que fazer alguma atividade física e o balé era a única coisa no mundo que ela queria fazer...
                       Tentou de tudo, até artes marciais e até ter que lutar, ela ia bem, mas na hora de cair no pau...kkk... Não ia pra frente e acabou por declarar pra professora..."Você não vê que eu sou delicada demais pra fazer isso"...
                       E com esta declaração ela encerrou a arte marcial da sua vida e resolveu voltar pro balé. Agora em uma turma de adultos, só pra se exercitar e ela adora...


A vida e o silêncio

Cansei do silêncio e cansei de tanto pensar!
Lá se vão alguns muitos dias, cheios de angústia e desencontros e de muita aprendizagem...Coisas do dia a dia, coisas da vida...
Que segue, graças a Deus!
Nestes dias, muitas foram as situações em que pensei em vir aqui, mas eu tava tão conturbada, eu tava tão cheia de mágoa com a vida, com muitas pessoas e principalmente comigo...
Eu precisava perdoar, não só os outros, mas principalmente a mim, afinal era muita vida já vivida e que não tinha mais jeito, mas que não dava pra apagar.
O funil era um fato...Eu precisava aceitar.
Eu sempre preciso aceitar... E acabo aceitando, parece sina ou maldição...
E só Deus sabe o quanto eu luto, eu tento, eu sofro...
E vencida...Aceito!
Levanto a cabeça e retorno...
Mas hoje eu me sinto mais leve, não sei se perdoei tudo ou todos... Sei que juntei os meus pedaços, sei que me dei uma outra chance, não chance de uma vida nova, mas uma nova chance de continuar vivendo a minha vida e aos poucos ir escrevendo a minha história.
A Nathália já está com vinte anos e o Rodrigo já está casado e eu estou com novos sonhos...Sei que novos desafios virão e espero continuar dando conta...Do jeito que der...
A minha mãe está bem velhinha... Já são 93 anos e depois da queda do ano passado ela envelheceu rapidamente e esta é uma nova realidade pra mim, uma realidade dolorida, pois me dói muito ver o quanto ela luta pra voltar e recuperar o que era antes e não consegue e o único jeito é tentar disfarçar e eu deixo... Finjo que acredito ou que não vejo e me obrigo a ficar mais tempo com ela... Ah! O tempo. O tempo que não pára, que não retrocede, que não perdoa nem a mim, nem a ela...
É a vida... E está sendo assim...
O futuro a Deus pertence!
Em 16/08/2013   
Pensando...
O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessoa; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudade… sei lá de quê! (Florbela Espanca)
          Eu sou oceano...


As Lágrimas


É muito interessante, o funcionamento da nossa memória, nos últimos anos tenho me lembrado muito de uma frase lida em um livro, há tantos anos, que fico imaginando os longos caminhos trilhados pelos meus neurônios pra desencavilhar esse pequeno detalhe em meio a tantas lembranças...
”É tão estranho o País das Lágrimas...”.
Essa frase ressoa na minha memória, e hoje mais do que antes ela me impacta.
Tenho a impressão que nasci sorrindo...Talvez resida aí a minha dificuldade de lidar com a tristeza, e esta parece ser a grande sacada: ver e lidar, com a tristeza, e ao mesmo tempo ensinar a sorrir. Acho que essa é a grande lição, é o dever de casa... O que fazer... Só fazendo é que se aprende.
Há poucos dias a minha filha, que tem talento pra tristeza e para o mau humor, me perguntou muito seriamente:
Mãe, eu não estou acordando feliz?
E lhe respondi - É verdade, filha!
Ela, aos prantos, me indagou.
E aí mãe, se eu não quiser acordar feliz o que vai acontecer?
Eu me senti paralisada por dentro, e tentando manter a calma disse a ela:
Filha é tão melhor sorrir que chorar, quando a gente chora, o nosso coração se enche de tristeza e amargura, a boca fica amarga feito fel, e a gente seca por dentro... A boca, o coração, e tudo que fazemos é ruim ou mau, assim como tudo que pensamos e os nossos olhos acabam se encharcando com tantas lágrimas.
E a visão do que eu falava me enchia de terror, e a cada palavra que eu dizia mais ela chorava desconsoladamente (também pudera!), e assim me confessou.
Sérgia, eu estou chorando e não consigo parar!...
Como interromper aquele choro torrencial? Como ensinar o exercício da felicidade? Como curar uma doença da alma?
Já faz muito tempo que me foi roubada a infância, na verdade faz tanto tempo que já nem lembro se criança fui, mas o País das Lágrimas até hoje só visito em datas especiais, com hora marcada (a ferro e fogo) e tão logo cumpra o meu destino, retorno à minha “disque” felicidade, é nela que eu me refugio e encontro forças.
Como imaginar que a minha filha, que justo ela, esteja de malas prontas e passaporte em mãos, esteja justamente, querendo pra esse país se mudar, e ficar lá...?
Meu coração vem à boca, e involuntariamente o estômago se contrai, e com facilidade se infere que prefiro uma filha apátrida...
É muito estranho e assustador o País das Lágrimas...
Assusta-me a perspectiva da infelicidade, agora a infelicidade da minha filha... Esta me causa horror.
Sinto pânico puro!
Quando na sua inocência ela me diz e me pergunta – Sérgia, eu não sou feliz!... Mãe, eu sou infeliz?
Tudo ao meu redor perde importância, e com facilidade concluo, que fazê-la feliz, seria meta primeira, se possível fosse!
Sinto-me impotente...Tenho ciência exata de que a minha vontade é nada, e não tenho noção de como poder ajudá-la.
Que inútil que eu sou!
É como se caminhasse o tempo todo, em cima de uma linha invisível e tivesse que seguir em frente, inexoravelmente...
Tateando, tendo a escuridão por companhia.
A visão próxima do país das lágrimas é verdade, me modificou ... Impus-me algumas mudanças, não as programei, elas foram se assentando na minha maneira de ser.
Em geral penso que são pequenas nuances, mas quando me olho no espelho, enxergo apenas a sombra do que fui.
Fiquei quase sem sorrisos, hoje me esforço pra ser feliz, e às vezes quase consigo! Se não fosse o “quase”...
Sinto falta de mim, de como eu era, do olhar particular que eu tinha da vida, do humor como a encarava, e tudo virou poeira...
Ah! Sinto saudades de mim...


Em algum dia de 2011