Dobradinha

No dia 09/08/2009 (dia dos pais, naquele ano) eu fiz este escrito e remeti, por email, para alguns dos meus irmãos, achei interessante que um deles me telefonou e me perguntou se eu realmente havia feito a tal dobradinha. Eu disse que sim e ele me disse...
Me espera, estou indo almoçar com vocês...

                                                                   Célio e o Rodrigo no Mosqueiro 


"Há dias em que sinto saudades do Célio.Esta saudade vem me machucando terrivelmente. 
Gostaria tanto de poder estar com ele!
Já se vão quase vinte anos de saudades...
Acho a morte extremamente sem graça, é aquele impeditivo geral e irrestrito, que nos deixa sem jeito e sem modos com a vida.
Há coisa mais simples que querer ver o pai?...É que nem ver mãe!...E não existe “coisa” mais disponível que mãe? Claro que não existe...
A saudade, a saudade já foi pior...Já doeu, fez-me chorar, fez-me na época, inclusive, brigar com Deus.
É, ele mesmo!
Eu também já briguei com o Todo Poderoso.
E confesso que nem senti remorso, pois foi Ele que me fez assim: briguenta, questionadora, inquisidora e extremamente humana...
Afinal, era justamente naquela fase, que a minha compreensão o alcançava melhor e tê-lo comigo era muito prazeroso...
Já conversávamos como adultos que éramos e eu já podia lhe fazer alguns agrados, como cozinhar algo de que ele tanto gostava.
Conversávamos tanto sobre tudo e sempre ele me surpreendia com as suas observações atuais, visionárias, revolucionárias...
Meu pai tinha alma de passarinho, olhos que acariciavam, mãos pequenas e uma alma simples e generosa.
Está certo que ele era cardíaco, seu coração já estava muito machucado e há 76 anos, batia sem parar. Mas quem disse que filho acredita que pai morre?
E por que “Eu” deveria acreditar?
E ainda me conformar?...
Por isso, briguei com Ele! Muitos foram os avisos que Ele me mandou.
Mas todas as vezes que o Célio ia para o hospital, ele voltava pra nós, pra nossa casa.
Lembro-me que já no fim, eu cheguei perto dele, peguei a sua mão e disse:
-Célio, vamos rezar um Pai Nosso...
Ele apertou a minha mão nas dele, olhou nos meus olhos e disse:
-Sérginha, tu precisas, minha filha, acreditar que eu vou morrer!...
Eu chorei!...
O Célio partiu suave. Calmamente adentrou na eternidade!...
E eu ainda estou aqui, brigando com esta saudade, e passar mais um dia dos pais sem ele, continua sendo doloroso...
Mas a convivência, por muitos anos, com a saudade e a ausência, já me ensinou o que fazer pra acalmar o meu coração, busco as lembranças boas, do pai maravilhoso que Deus me deu.
-É, já fiz as pazes com Ele... A Nathália orquestrou a nossa reconciliação...
E desde ontem, estou eu aqui nesta cozinha, buscando-o.
E entre um tempero e outro eu sorrio e choro, ante a sua lembrança ainda vívida na minha memória.
E enquanto relembro as nossas vidas, remexendo na saudade, vou preparando a dobradinha do jeito que ele tanto gostava, bem macia com pedaços pequenos de batata e algumas azeitonas inteiras, tudo entremeado com pedacinhos de um bom chouriço do Paraná, mergulhados num caldo grosso de mocotó.
Tudo feito com muito carinho. Coisas de amor antigo e saudade maior...
Desculpem amigos, mas não me convidem pra almoçar, hoje!
Vou almoçar com o Célio!...
E juntos, vamos brindar a vida que é eterna e constante, com uma boa taça de vinho."

Sérgia Cal

Nenhum comentário:

Postar um comentário